Eu embarco em Osasco.
Eu não sei de onde você vem porque já está lá quando eu chego.
Já é a segunda, terceira ou quarta vez que te vejo. Em sequência, são dois dias.
Nossa distância é de uma porta.
Você fica no lado esquerdo e eu no direito.
Aproveito os óculos escuros para dar uma espiada.
Não sei se você também olhou ou foi só impressão minha.
Ei, você tá olhando pra mim também?
Olho suas mãos em busca de provas para saber se você não é só mais um sem vergonha comprometido que fica paquerando por aí.
Não que o fato de você não ter aliança alguma também te isente, caso você já esteja em um relacionamento, mas aí não tenho como saber.
Olhei de novo e você estava me olhando.
Droga, tá me olhando mesmo?
Será que eu to com alguma coisa na cara?
Aproveito a tela do celular e dou uma conferida na fuça.
Tá tudo normal, acho que ele olhou mesmo.
Ou será que é estrábico?
Ou a estrábica sou eu?
Lá pela terceira estação você olha diretamente e mantém o olhar.
Eu tentei fazer o mesmo mas não é possível sem começar a rir.
Mas oras, você é uma mulher ou um rato?
É, eu sou o Hamtaro.
Pego o celular pra disfarçar a risada que segurei, como se estivesse vendo algo muito divertido.
Na verdade estou só olhando pra minha playlist do Spotify, que nunca foi tão engraçada como hoje.
E olha que eu tô ouvindo Slayer dizer que “Minhas cicatrizes são insanas, minha vida é profana” em Hate Wordlwide.
Pra falar a verdade, não prestei atenção na música, porque esse jogo de olhar e disfarçar tá bem melhor.
Coloquei uma bala na boca pra disfarçar os movimentos de riso.
Acho que não funcionou mas vamos manter a pose.
Aliás, você tá vendo que eu to te vendo, né?
Começo a me preocupar se tô viajando, já que to de óculos escuros e não sei se você notou que to te olhando também.
Vai que você acha que eu não to retribuindo.
Só que eu tô, tá?
Será que eu to com aquela cara de fula da vida que eu sempre uso ao andar por aí?
Preciso trabalhar nisso, já estou ficando com uma ruga enorme entre os olhos.
Pensei em mudar de porta.
Parece uma boa ideia, quem sabe isso encoraja o moço a falar um “oi”.
Quem sabe?
Minhas pernas parecem não estar acompanhando o diálogo do meu cérebro.
Elas nem se movem.
A hora de descer se aproxima.
Você tá olhando de novo.
Minha axila direita tá toda suada.
A vontade de gargalhar não passa.
“Estação Palmeiras Barra-Funda, desembarque pelo lado esquerdo do trem”
Eu desço.
Você desce.
Eu vou pela escada comum – tentando queimar umas banhas.
Você vai pela escada rolante.
Lá em cima você vai pro metrô e eu tenho que sair da estação.
Você foi embora.
Eu tenho que trabalhar.
Sinto que tenho 13 anos de novo.
Isso tudo pra dizer às vezes o crush só dura 5 estações mesmo.
Mas foi bom enquanto durou.
Tenha um bom dia (: