Lucia nunca foi de ficar muito tempo sozinha. Não por carência, mas porque apesar de ser retraída, só sente mais completa e energizada como pessoa quando esta acompanhada.
Até o começo dos seus 20 e poucos anos, sua vida amorosa foi relativamente simples, não existiam muitas dúvidas e cobranças para que aquilo funcionasse, apenas o sim era sim e o não era não.
Conforme os 30 se aproximam, a “obrigação” e a pressão de acertar nos relacionamentos pareceu crescer cada vez mais. Apesar de não ligar para a opinião dos outros, internamente sabemos como é complicado administrar esse tipo de coisa. Com isso, ficou muito mais fácil errar tentando acertar, principalmente por carência e ansiedade. Lucia errou e esse erro trouxe muito arrependimento, mas também muito aprendizado.
Ela conheceu Cleiton através do lugar menos provável, o Tinder. Era uma fase da vida em que ela queria conhecer pessoas novas. Lá estava ele, sua foto em um quase perfil, de óculos escuros, sentado em um show e mostrando algumas tatuagens. Além da aparência, Cleiton também era muito bem humorado e não demorou muito para que ela passasse a ficar ansiosa para acordar e receber uma mensagem.
Eles passaram praticamente uma semana em um “jogo” de perguntas para se conhecerem melhor. Nesse jogo eles discutiram todos os assuntos possíveis e aquele mero estranho passou a ser quase como um velho conhecido para Lucia. Depois disso, só faltou eles finalmente se conhecerem.
Marcaram em um shopping e quando Lucia estava subindo as escadas, já avistou Cleiton de costas. Nesse momento foi difícil segurar todas as borboletas do estômago no lugar certo e algumas risadinhas bobas escaparam. Conheceu nesse encontro mais um pouco sobre a vida dele, seu trabalho, sua família e sua rotina. O melhor, conheceu seus beijos, que passaria a amar em pouco tempo. Eram urgentes, como se fosse o último beijo que fossem dar em toda vida. A sensação da barba de Cleiton no rosto de Lucia ficou durante o caminho para casa, o que arrancou ainda mais risadinhas.
Parecia ser a história que Lucia estava preparada para viver, exceto por não estar preparada e por ter errado tanto tentando acertar. Eles saíram mais 3x durante esse tempo. Tudo era maravilhoso, não devia haver dúvidas: Cleiton era simpático, divertido, bonito, cheiroso, companheiro e tinha o beijo e o toque que Lucia amava. Mas ele tinha um “problema”, esqueceu de vir com o manual de fábrica escrito “investe, Lucia, deixa de ser boba”. Coisas do passado de Lucia começaram a tomar muito espaço de sua cabeça enquanto tentava continuar se envolvendo. Ela gostava dele, não era essa dúvida, mas gostava o suficiente dele pra fazê-lo feliz? Esse passado não ia magoá-lo? Era justo com ele começar algo estando tão confusa? Gostava tanto dele e já tinha sofrido tanto, não queria que ele sentisse a mesma coisa. Ao invés de conversar, preferiu fugir.
Mesmo gostando dele e mesmo tentando sair com outras pessoas, nunca conseguiu esquecer Cleiton, cometeu mais um erro: guardou isso só pra si, provavelmente deixando o rapaz achando que era só mais um “caso” que tinha acabado.
Aproximadamente 1 ano depois se reencontraram. Lucia teve seu primeiro choque de importância sobre Cleiton. Ele viajou e mesmo tanto tempo afastados, ele se lembrou dela em pequenos grandes presentes. Ela ficou tão sem graça por ter agido como agiu que travou. Não soube se tentava novamente e como poderia agradecer ou se fugia de novo. Entrou novamente no ciclo de achar que tinha magoado sem de fato magoar e preferiu se afastar, de novo. Apesar disso, mais um beijo aconteceu nesse dia e ah, como era confortável estar naquele lugar de novo, o mesmo lugar onde se conheceram e o mesmo lugar onde se beijaram sem vontade de se despedirem. Mais beijos urgentes e completos, com mãos e corpo. Vivenciou novamente aqueles momentos de se sentir radiante, para minutos depois experimentar a perturbação do “É isso mesmo?”.
Se deixar levar por pensamentos negativos foi outro grande erro de Lucia. Nada tem garantias. Se ela estava feliz, por que fugir? Por que evitar ser feliz se era isso que ela queria? Ela não consegue entender até hoje. Continuou a se entregar em relações superficiais, comparando todas as pessoas internamente, mas ninguém poderia ser como ele. Ninguém tinha seu jeito de falar, de fazê-la rir, de manter o mesmo diálogo besta por longas horas sem ser irritante e nem beijos tão cheios de tesão. Ah, aqueles beijos…
Como lembrar tanto de alguém e ainda assim duvidar é um mistério que Lucia não entende e não desvendou. Continuou negando tudo achando que era apenas uma história linda que infelizmente “não dava certo”, até quando a realidade vem e bate na sua cara e diz: “não deu certo porque você não quis”.
Sentia saudades e ciúmes e mesmo assim se recusou a investir, a procurar, a falar sobre o que sentia, mesmo que fosse só a dúvida. Tentando poupar um fim sofrido, ficou com o sofrimento prolongado de um grande “SE”.
Ainda tiveram mais uma chance, desperdiçada novamente por Lucia e suas neuras absurdas. Achava que o amor viria com bula e manual de instruções. Justo ela, que sempre esteve acompanhada e que sabia que não era assim. Amor é questão de tentativa e força de vontade e não de certezas. Quem tem certezas nessa vida afinal?
Tudo o que queria era alguém como Cleiton. Aquela pessoa improvável de se conhecer no Tinder, que realmente queria algo com Lucia, que estava disposto a tentar. Lucia amava seu jeito carinhoso, divertido, bem-humorado, seu cheiro e até a marquinha que seus óculos deixavam em seu nariz. Adorava sua cara e jeito de rabugento, mas seu coração e sorriso tão doces, que eram de derreter o coração. Amava seu jeito ansioso de tocar seu corpo, sempre intenso, sempre urgente…
Tentando acertar, falhou no item mais básico: tentar. Não se permitiu tentar, falar, dizer à Cleiton o quanto ele era importante pra ela e como ela se sentia. Tentando amar e ser amada, afastou alguém que já sentia isso e sentiu por muito tempo.
Lucia demorou demais e teve que se envolver até o pescoço em relações suicidas para entender que não queria nada daquilo. Demorou pra admitir o que realmente queria e quem queria.
Quando finalmente se tocou, quando finalmente aquele pensamento que estivera tão escondido, acordou e gritou com Lucia, era tarde. Cleiton cansou de esperar. Supôs que ela nunca queria e tentaria algo sério com ele, quando algo sério era tudo o que ela estava querendo há tempos. Ele partiu pra outra, com razão, e ela perdeu a chance de consertar seu erro.
Dessa história Lucia só ficou com o “SE“. Ficou com o arrependimento de ter se sabotado tanto e por tanto tempo. Ficou com a saudade do cheiro, dos beijos apaixonados, das mãos, do tesão e do corpo colado com o seu, suado pela urgência de amar. Ficou com a lembrança das brincadeiras, da amizade e ficou sem o principal: a realidade.
Lucia agora sabe onde e como errou. Apesar de não querer mais se culpar – porque não adianta mais – ela não quer e não pode esquecer desses erros, para nunca mais desperdiçar tanto tempo evitando viver, tentando apenas fazer escolhas baseadas em uma certeza interna que não diz muito. Quer se lembrar de não desistir sem tentar e que não dá pra viver evitando sofrimento, pois ele chega de qualquer maneira. Ela entende agora que se for pra sofrer, então que seja por ter vivido intensamente e não por não ter vivido.